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Coisa de pobre

Descobri que sinto estimas diferentes por linhas de ônibus diferentes. Ainda não firmei meu amor pelos verde-prateados que começam com 2-- (211,212) que me levam da praia até a beira-mar. Acho que é porque eu tenho que andar até a praia, e depois da Previdência até a Gazeta, e às vezes está chovendo. Sabe? Não é uma linha que se importa muito com meu bem-estar. Ela apenas cumpre sua função.

Já o 214 não. Ah, esse é bacana! Ele é o único ônibus que passa em frente à rede, e tem uma personalidade fortíssima! Tanto que os vigias que ficam na guarita têm uma tabela com todos os horários que ele passa, e eu sempre pergunto: "Meu ônibus já passou?", como se fosse uma carona amiga. Acredito que seja um dos pouquissímos ônibus que têm um ponto exclusivo. Além disso, se pego o das 17h20, ele passa por TODOS os engarrafamentos de Vitória. Praia do Canto, Reta da Penha, Shopping Vitória, voltando pela Praia do Canto, na Ayrton Senna, o que me faz sentir que estou fazendo um tour. Leva uma hora para eu chegar em casa, é uma viagem, posso saborear o 214. Foi nele que ouvi uma dupla de turistas dizendo que só no 214 você vê gente bonita! E, apesar de eu andar mais ou menos a mesma distância de quando salto na praia ou na pracinha do Flash Vídeo, ainda assim já estou em Jardim da Penha, e não em Camburi. Fora que ele pode me deixar na Ufes, na frente da passarela - e agora eu uso a passarela!

O 241 é fabuloso, mas tenho muita raiva dele. Tenho que admitir: ele é ágil e prático. Sai da beira-mar às 17h20 também, e pega a Leitão da Silva direto para a Ufes. Também passa pela passarela. Mas eu não sei direito seus horários, ele é fugaz, seus horários escorrem pelas minhas mãos, e é raríssimo! E, o pior de tudo: teve uma vez que eu esperava ansiosamente por esse grande esverdeado vir me pegar, quando um amontoado de outros ônibus chinfrins parou no ponto, e ele passou direto, por trás, ignorando-me categoricamente. Nunca mais falei bem do 241.

Quando preciso ir para a Ufes, ando até a Avenida Vitória. Vários passam por lá, é mais fácil e não tenho que depender do maldito 241 e nem do fofo 214, que demora demais para quem só quer se deslocar. Então eu paro num ponto e fico esperando os ônibus que me acompanham desde a adolescência. Infelizmente, o 184 não passa por ali. Mas ele merece um parágrafo.

Nossa história começa na primeira semana de Escola Técnica. Lá estava eu, com meu uniforme de gola azul, esperando pelo 124. Para mim, só existia o 124. Veio o 184 e eu nem dei bola, mas ele parou na minha frente e, mesmo eu estando fora do ponto, a marionete que o "dirige" disse:
-Entra.
Ainda desconfiada, perguntei em alto e bom som:
-PASSA NA ESCOLA TÉCNICA?
-Sim.
Entrei. Uma multidão de golas azuis olhou para mim sabendo do meu mais íntimo segredo, na época: eu era caloura. Fiquei com raiva do 184 por me expor daquela forma, mas hoje, com maior maturidade, percebo que a culpa foi toda minha. Descobri, através dessa viagem, que poderia chegar na Escola em menos de meia hora!

Voltando à avenida Vitória, Gazeta-Ufes. Nada me dá mais alegria do que ver o bem e velho 124 chegando, sorrindo para mim. Ele não me deixa na passarela, mas era o cara que me pegava na frente de casa e me deixava na frente da Escola Técnica. Sabe? Ele se importava comigo. Não deixava eu pegar muita chuva, não me fazia correr perigo. Que as outras linhas não se sintam menosprezadas, cada uma tem sua função, mas é no 124 que me sinto em casa!